SUPORTES
A pintura se faz de modo a que o controle do artista seja pequeno, e boa parte do resultado depende de fatores próximos do aleatório: um pouco à maneira da monotipia (onde boa parte da atração vem exatamente daquilo que escapa à vontade do artista), tinta, betume e outros materiais menos convencionais aderem ao tecido sem que o efeito possa ser totalmente calculado, e as telas assim impressas, separadas das “matrizes” (e que nada mais são do que o próprio chão do ateliê), apresentam pouco mais do que as marcas dessa manobra. Prevalece a quase monocromia, e a “padronagem” que daí resulta – as horizontais das tábuas do piso, igualmente repetitivas – acentua o caráter de quase-módulo que cada uma das telas estabelece. A montagem, compacta, enfatiza a sugestão de obra serial, e a apresentação do conjunto das “matrizes” juntamente com as pinturas tem o efeito de uma quase instalação onde o problema é exclusivamente o processo de sua execução, em que se misturam o acaso (a impressão) e o deliberado (a seriação), processo este que encontra sustentação em outras situações onde a vontade artística é submetida a um dos testes mais arriscados: a renúncia parcial ao controle manual sem que a obra perca seu controle conceitual (os desenhos de olhos fechados de Michaux vêm logo à memória tanto quanto o dripping de Pollock, ou, mais próximo a nós, os desenhos com a mão esquerda de Marco Veloso). Também o aspecto abrupto de cada obra, e que encontra eco em todo o conjunto, não deixa de remeter à brutalidade – mesmo que requintada com que Tapiès trabalha suas imagens. São trabalhos propriamente processuais onde o observador se vê obrigado a explorar uma “estratigrafia” pictórica, esta última mais importante do que o produto acabado, em que o gesto tem precedência sobre a marca por ele deixada, em que a história da obra se sobrepõe à imagem nela formada ao final, e onde mesmo o método de apresentação precisa se mostrar consistente com os pressupostos adotados, privilegiando a “situação-exposição” a partir da “situação-pintura”, e não a obra individualizada em uma mostra (o eterno destino do “quadro”…). Daí a necessidade de reduzir ao mínimo a atração que elas possam exercer por si mesmas e enfatizar o fato de que são resultado de um esforço, um embate que se trava não apenas entre o artista e o seu trabalho, mas no interior do próprio trabalho, tanto quanto no próprio ato de com ele o espectador se deparar. Menos obras para serem contempladas do que uma ocorrência a ser experimentada.
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Reynaldo Roels (Falecido professor da EAV -RJ, Curador do MAM -RJ)
Suportes, 2004 (Díptico) - 1,04 x 2,08m
SUPORTES
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A pintura se faz de modo a que o controle do artista seja pequeno, e boa parte do resultado depende de fatores próximos do aleatório: um pouco à maneira da monotipia (onde boa parte da atração vem exatamente daquilo que escapa à vontade do artista), tinta, betume e outros materiais menos convencionais aderem ao tecido sem que o efeito possa ser totalmente calculado, e as telas assim impressas, separadas das “matrizes” (e que nada mais são do que o próprio chão do ateliê), apresentam pouco mais do que as marcas dessa manobra. Prevalece a quase monocromia, e a “padronagem” que daí resulta – as horizontais das tábuas do piso, igualmente repetitivas – acentua o caráter de quase-módulo que cada uma das telas estabelece. A montagem, compacta, enfatiza a sugestão de obra serial, e a apresentação do conjunto das “matrizes” juntamente com as pinturas tem o efeito de uma quase instalação onde o problema é exclusivamente o processo de sua execução, em que se misturam o acaso (a impressão) e o deliberado (a seriação), processo este que encontra sustentação em outras situações onde a vontade artística é submetida a um dos testes mais arriscados: a renúncia parcial ao controle manual sem que a obra perca seu controle conceitual (os desenhos de olhos fechados de Michaux vêm logo à memória tanto quanto o dripping de Pollock, ou, mais próximo a nós, os desenhos com a mão esquerda de Marco Veloso). Também o aspecto abrupto de cada obra, e que encontra eco em todo o conjunto, não deixa de remeter à brutalidade – mesmo que requintada com que Tapiès trabalha suas imagens. São trabalhos propriamente processuais onde o observador se vê obrigado a explorar uma “estratigrafia” pictórica, esta última mais importante do que o produto acabado, em que o gesto tem precedência sobre a marca por ele deixada, em que a história da obra se sobrepõe à imagem nela formada ao final, e onde mesmo o método de apresentação precisa se mostrar consistente com os pressupostos adotados, privilegiando a “situação-exposição” a partir da “situação-pintura”, e não a obra individualizada em uma mostra (o eterno destino do “quadro”…). Daí a necessidade de reduzir ao mínimo a atração que elas possam exercer por si mesmas e enfatizar o fato de que são resultado de um esforço, um embate que se trava não apenas entre o artista e o seu trabalho, mas no interior do próprio trabalho, tanto quanto no próprio ato de com ele o espectador se deparar. Menos obras para serem contempladas do que uma ocorrência a ser experimentada.
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Suportes, 2004 (Díptico) - 1,04 x 2,08m